Jaime Cortesão e Vale de Cambra

Jaime Cortesão e Vale de Cambra
Foto C.M. Cantanhede

Por S. João da Madeira, ou ainda melhor, por Oliveira de Azeméis, entra-se no coração deste quadrilátero regional.

O vale de Cambra, duma frescura incomparável, desdobra-se, quase sem planos, em vinhas e campos, que formam um jardim único de cultura.

Dão-lhe frescor os rios Caima e Vigues; retalharam-no em belgas a divisão da propriedade e o trabalho dos homens, que se esmeram à compita por compensar pela intensidade do cultivo a escassez do espaço cultivado; e à volta, num aro quase circular, as serranias formam-lhe moldura, ao mesmo tempo suave e majestosa.

Na distância, as montanhas, sobre cujo verde-escuro dos pinhais alveja e se desata o casario das aldeias, cambia e combina matizes em que se fundem em tons indefiníveis, o verde glauco e o pérola.

Assim, colgado de pâmpanos, vicejante de milheirais, hortos e pomares, todo o vale do Cambra germina, brota e pulula, a luz do Sol, como um nateiro de água e clorofila, estagnado na bacia que lhe formam as serras – maravilhoso retalho do Éden que Deus deixasse por amostra aos homens, para se darem contas do paraíso, por suas mãos perdido.

in A caminho de Arouca, págs 246-247

Jaime Zuzarte Cortesão nasceu em Ançã, Cantanhede, em 1884. 

Formou-se em medicina, em 1919. 

Foi deputado de 1915 a 1917. Serviu como voluntário na Grande Guerra, na campanha de Flandres, em 1918, na qualidade de capitão-médico-miliciano.

Dirigiu a Biblioteca Nacional entre 1919 e 1927. 

Nesse mesmo ano exilou-se, vindo a viver em Espanha, França, Bélgica e Inglaterra até 1940, ano em que regressou a Portugal, tendo estado preso em Peniche e no Aljube.

Entretanto, exilou-se no Brasil, regressando a Portugal apenas em 1957.

Foi poeta, dramaturgo, ficcionista, pedagogo, político e historiador.

Em conjunto com Teixeira de Pascoaes deu início à publicação das revistas A Águia e Renascença Portuguesa e foi um dos fundadores da Seara Nova.

Faleceu em Lisboa, em 1960.

Jaime Cortesão publicou em jornais da época um conjunto de artigos em que registou a sua passagem pelas diversas regiões de Portugal ou reflexões sobre essas mesmas regiões.

Esses artigos foram coleccionados e reeditados postumamente, em 1966, pela Artis, num livro de título Portugal: a terra e o homem.

Um desses artigos tem por título A caminho de Arouca e foi originalmente publicado no jornal brasileiro O Estado de São Paulo, na edição de 26 de Agosto de 1956 e, em Portugal, n’O Primeiro de Janeiro, de 16 de Setembro de 1956.

Nele, Cortesão teceu uma narrativa elogiosa e adjectivada das riquezas naturais e das construções humanas do Douro Litoral, valorizando de modo especial Arouca, quando disse que «a região que tem por centro Arouca, é a mais rica de lição e a mais digna de visita».

Cortesão começou por falar genericamente da regiãocircundante de Arouca para depois centrar a sua narrativa na paisagem e, como não poderia deixar de ser, no mosteiro de Arouca.

A contar pelo texto, Cortesão visitou Arouca numa «rápida excursão» feita num final de Julho (desconhecemos o ano, mas é verosímil que seja o próprio ano de 1956, a contar pela expressão «demos, recentemente, um giro rápido na região do Douro Litoral»).

As vinhas e os vales foram das coisas que mais o impressionaram. 

Visitou o Museu de Arte Sacra instalado no mosteiro, e denunciou a deficiente instalação das peças.

O texto termina com uma sentença profética, da qual foi colhida a expressão “a bela adormecida” para o livro agora publicado.

Esta descrição que Cortesão fez de Arouca está parcialmente reproduzida no Guia de Portugal, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian. (cf. tomo 1 do vol. 4, 3ª ed., 1994, p. 69).