A Lenda dos Castelões de Cambra

por Augusto Soares da Carvalhalva

A Lenda dos Castelões de Deus
Das Märchenbuch, por Walter Firle (Domínio Público)

Quando Deus criou a Terra, foi já na parte final do sétimo dia que Ele aqui chegou, … no último dos dias que tinha previsto para a empreitada de construção do mundo.

Apesar do cansaço, hesitou ainda algum tempo a decidir o que fazer com o potencial admirável que do que tinha entre mãos, exactamente onde hoje é o vale de Cambra.

De nascente, em direcção ao oceano, descia uma escadaria irregular de maciços altos e escarpados, logo sequenciada a poente por uma imensa terra-chã riscada de mil ramificações de água que bebiam do mar.

De norte, apontando a Sul, sobrepondo-se à fumarada que emanava dos pântanos, do lado de Arouca, foi uma repentina rajada de ar fresco que o estimulou e influenciou, … era aqui que Ele tinha de dar o seu divino toque de artista supremo.

Então, sentado no topo da montanha, a sul do Vale, no alto do que hoje é a Serra de Gestoso, já o sol ia adiantado no céu, virado para norte, bebendo os luzentes e variados azuis que vindos dali e do mar decoravam o céu, deu vazão à excelsa imaginação que o inspirava:

Com aqueles braços imensos, que podiam alcançar todo o planeta, dedos abertos rasgando os chãos, começou a modelar de relevos mais brandos o terreno, … de poente, do lado dos perigos do mar, pôs uma homogénea barragem de montes e de colinas descendo decidida na sua face interna para a bacia que já se insinuava a nascente, a que Ele logo deu a forma suave do vale longo que é hoje, afundando-o o suficiente para conseguir o ror de terra que precisou para contornar de beleza e regularidade todo o perímetro envolvente, um mar ondulante de colinas e serranias num círculo que aqui e ali se desfazia ao sabor da sua momentânea inspiração, cercando de montanhas todo um vale de desenho ímpar, o maior e o mais belo de toda a costa ibérica.

Estava o seu trabalho concluído, … pensou Ele num primeiro momento, que, olhando tudo de novo, algo faltava ainda realçar no imponente declive que, a norte do sítio onde se encontrava, descia subitamente até ao vale, era preciso dar-lhe personalidade única, … com as mãos, de novo gradou os chãos, agora remexendo e amaciando também os maciços mais rochosos, tudo fazendo nascer de vegetação, do granito bruto fez nascer um verde perene de arvoredo, já a mesa que desde aí tem sido pão das espécies vivas que aqui Ele faria nascer ao longo dos tempos.

E foi neste último momento que Deus solenemente decidiu, aqui só poderia morar gente boa, boa mas rija e lutadora, daí – e para melhor os ajudar a defender-se dos inimigos que sabia tantos e invejosos que aí viriam – logo elevou e moldou as colinas mais próximas, cada colina um Torreão, o conjunto um Castelo imenso, ali mesmo, no topo da Serra de Gestoso, a Torre de Menagem de todo o território vigiando todas as escancaradas lonjuras que dali já prenunciavam os jardins de mar e de serra em que, a toda a volta, tudo se viria a transformar, a benção derradeira com que Deus quis proteger este seu pedaço especial do mundo.

Aos futuros habitantes deste território que naquelas colinas acasteladas fariam vida, para todo o sempre logo os abençoou e denominou de “Castelões de Deus”.

E é assim que desde há muito conta a “Lenda dos Castelões de Deus”, lenda que nos Serões da História sempre tem sido segredada entre gerações, evoluindo e arredondando-se aos novos tempos, como é comum a toda a raça humana, … do nome “Castelões de Deus” emergiu a actual designação, “São Pedro de Castelões”, … Terra que para muitos nunca deixará de ser a Terra dos “Castelões de Deus”, como Ele a pensou e designou no início dos tempos.

Histórias e Contos de Augusto Soares da Carvalhalva