Texto adaptado por Maria Clara Vide
Ilustração de Luciana Almeida e Susana Vide
As lendas são das mais belas expressões da literatura popular de tradição oral.
Dentre os diversos tipos de lendas, as dos mouros estão bem presentes na memória coletiva do nosso povo.
São essencialmente de dois tipos, as de mouras encantadas e as de amores entre mouras e cristãos.
Encontra-se a crença popular que os mouros, detentores de enormes tesouros, ao serem derrotados pelos cristãos, deixaram mouras encantadas a guardá-los, até ao dia em que regressassem para os reaver.
Muitas vezes, as lendas estão associadas a locais onde se encontram vestígios arqueológicos.
O imaginário popular associa-as a locais cuja ocupação remota há muito desapareceu do conhecimento direto das populações.
Tesouros escondidos ou encantados, alfaias ou objetos de ouro (jugos, teares, grades, etc.), muitas vezes ligados aos mouros, são tema de lendas em locais de ocupação arqueológica.
No imaginário popular ser do tempo dos mouros remete para um passado muito longínquo.
É por isso que sejam vestígios megalíticos, romanos, ou mesmo mais recentes, são invariavelmente rotulados de mouriscos pelo povo.
Não é de estranhar que na freguesia de Cepelos, onde existem vestígios arqueológicos, apareçam lendas que, de alguma forma, traduzem o aspeto fantástico que a imaginação popular atribui aos vestígios do passado longínquo.
É o caso da lenda do Milagre de Nossa Senhora do Livramento.
Conta a lenda que, perto da zona onde hoje se encontra a Igreja Paroquial de Cepelos, a caminho de Merlães, encontramos uma pequena planície designada por lugar da Mamoa, uma bela princesa moura que aí se encontrava acampada se tomou de amores por um jovem cavaleiro cristão.
Como o amor remove todas as barreiras, a jovem princesa conseguiu iludir a vigilância dos guardas do acampamento e juntarse ao seu bem-amado.
Tendo-se convertido ao cristianismo, vivia dias de grande felicidade junto do esposo até que o seu povo a resolveu vir capturar.
Vendo-se rodeada pela turba sedenta de vingança e constatando que já não havia possibilidade de fuga, caiu de joelhos e invocou Nossa Senhora do Livramento.
Uma voz melodiosa ecoou no espaço sossegando a Princesa, enquanto uma luz extremamente forte cegava os sarracenos ao mesmo tempo que a paisagem circundante se transfigurava.
Possuídos de medo, os mouros correram monte abaixo, em debandada, deixando em paz os dois esposos.
Como reconhecimento do milagre da Senhora do Livramento, o apaixonado casal mandou edificar uma capela daquela invocação mariana para perpetuar o acontecimento.
Com o passar dos anos, de acordo com a tradição, tendo esta entrado em ruína, alma piedosa mandou erguer um nicho que a voragem do tempo também consumiu.
Em 1932, o benemérito Comendador Luís Bernardo de Almeida, que possui próximo das alminhas uma propriedade, mandou (re)construir, o nicho existente, aquando da construção do muro da referida propriedade, para que a tradição se não perdesse.
Mas, uma vez mais, com o passar do tempo as alminhas ficaram esquecidas.
Porém, a D. Carolina Tavares, natural de Paço e regressada do Brasil, para onde havia emigrado, prontificou-se a zelar pelas alminhas mandando-as reconstruir, no local onde se encontram atualmente, numa propriedade que lhe pertencia.
Aquando da reconstrução “doou” às alminhas o mato onde elas se encontram para que, desta forma, com os rendimentos obtidos com a propriedade, por exemplo com a venda da madeira, ficasse assegurada a sua manutenção, a compra de lamparinas, velas e, de tudo o mais que fosse necessário, bem como para o pagamento do toque diário da Santíssima Trindade, na Igreja Paroquial de Cepelos, obrigações que ficam para os seus herdeiros.