A mina assombrada

A mina assombrada

Texto adaptado por Maria Hermínia Nadais, recolha efectuada junto de Ana Maria Brandão
Ilustração de Bruno Bernardo, Carlos Silva e Sergye Balnguk

A mina assombrada

A Mina Assombrada fica no campo que faz a curva fechada, entre a Pensão Suíça e a Presa do Monte, curva que, por ser tão terrivelmente fechada, foi recentemente retirada da circulação.

Está situada mais ou menos na fronteira entre as freguesias de Macieira de Cambra e de Roge.

Foi nessa mina que inúmeras vezes matámos a sede, em crianças e jovens, quando tinhamos necessidade de sair da nossa terra, a pé, pois naquele tempo não havia transportes como hoje há!

A origem do nome, Mina Assombrada, provém das inúmeras passagens inexplicáveis que, em tempos idos, se desencadeavam à volta da mina e do terreno anexo, cenas que o rodar do tempo, gradualmente, tende a apagar da memória!

Conta-se que, no dia 31 de Dezembro de 1947, um jovem casal de Rôge decidiu fazer a sua passagem de ano perto da Cruz de São Domingos, no antigo Seminário de São João de Brito onde, posteriormente, funcionou a Casa de Saúde Almeida Pinho e atualmente se encontra um fantasmagórico monte de ruínas desertas.

Foram ver uma peça de teatro denominada “As duas causas”, de onde sobressaíam vidas plenas de dificuldades que, tal como agora, eram vivências muito consideráveis.

Esta era uma das muitas representações teatrais que os jovens ali residentes, alunos seminaristas da Companhia de Jesus, preparavam, encenavam e exibiam.

O evento terminou por volta da meia-noite, hora em que o jovem casal se dirigiu para casa.

Para iluminar a escura escuridão da noite escura… que se previa grandemente acentuada por uma longa chuva espessa e miudinha, o irmão da senhora emprestou ao cunhado um foco acabado de comprar e que era uma das maiores modernidades e uma enorme inovação para toda aquela gente. (Foco, era o nome que davam, na época, as atuais lanternas de pilhas.)

Pelo caminho de regresso chegaram à casa onde vivia um homem solitário, muito prendado e senhor de si, o Senhor Ramos.

Com o apelido de “Preguiça”, morava no princípio da reta onde se encontra a atual entrada para o Lar da Fundação Luís Bernardo de Almeida.

Próximo da habitação do Senhor Ramos havia um carvalho tão exagerado nas suas dimensões que cobria a casa toda e parte da estrada.

Esse carvalho, de onde eram recolhidas inúmeras bolotas e folha secas, deixou de existir há pouco tempo, mas a casa ainda lá está, airosa e habitável como sempre, e com a cara lavadinha de fresco. Foi nesse local que o homem disse para a mulher:

Vou acender isto!… Quero ver esta coisa a funcionar!

Acendeu o foco e virou-o para a frente, para o sítio da atual Garagem dos Vides, que ao tempo se chamava “Curva da Viuvita”, e, tal como uma criança envergando um brinquedo novo, soberbo e apetecido, virou-o também para os lados… e para trás… era uma forma de se certificar da distância atingida pela frágil e meiga luzinha e de saciar a sua curiosidade.

Mas, enquanto ele não viu nada, a senhora disse:

Volta…. por favor… volta novamente o foco para aquele lado, para ver o que é que lá vem!

O homem voltou o foco para o sítio indicado pela mulher, e quando ela pode olhar mais profundamente, avistou, num grande clarão, um robustissimo cavalo branco com uns olhos muito grandes e reluzentes que se aproximava, a galope, montado por um enormíssimo cavaleiro.

O cavalo vinha dos lados de Porto Novo, num caminho que atravessava a estrada que conduzia a Rôge.

Aflita… a mulher agarrou-se fortemente ao marido e disse:
Olha o que aí vem!… Encosta-te para ele passar!

E, rapidamente, ambos se encostaram. Mas, quando ela olhou em frente para continuarem a caminhada, viu um outro cavalo igual a aparecer, calmamente, na já citada Curva da Viuvita!

Mansamente, os cavalos foram troteando, os dois, na direção um do outro. E acabaram por se encontrar e se colocar lado a lado, no meio da reta, bem no sítio onde a junção das duas vias desenhava uma cruz.

E permaneceram a trotear, certinhos, um bem ao lado do outro e atrás do casal.

O homem ia acalentando a mulher, mas sem nada ver, sem nada sentir, sem nada perceber!…

No meio dos pinheiros e carvalhos que existiam ao longo do caminho começaram a ouvir -se uns estrondos ritmados, tal como pinhas a cair.

A dada altura, o homem acabou por sentir, no pescoço, o bafo dos animais. Manteve-se calmo… mas a abraçar a mulher, para ele, com mais intensidade.

Entretanto… chegaram ao tal campo da Mina Assombrada, na curva fechada.

O campo era do Alfredo, razão por que a dita curva se chamava também a “Curva do Alfredo”!

O campo era seguido de um mato, também do Alfredo. E um pouco adiante, na berma do mato, havia umas alminhas, que ainda lá estão.

Ali, entre a Mina Assombrada e as Alminhas, os dois enormíssimos cavalos pararam, colocaram-se um frente ao outro e cruzaram-se entre eles de modo que o casal ficou no meio. E voltaram-se para trás, cada um por seu lado, para ficarem novamente a par um do outro.

Serenamente, começaram a galopar na direção de Macieira. Mas, depois, foram-se afastando com toda a sua força.

O homem e a mulher, atónitos e perplexos, bem agarradinhos um ao outro, foram caminhando e continuando a ouvir o forte galopar dos cavalos até que o estrondoso ruído acabou por desaparecer no espaço.

A Mina Assombrada, baluarte de histórias e memórias, ainda há pouco tempo conservava as mesmas características de outrora: um pequeno reservatório de rega onde os habitantes das proximidades podiam colher e regalar-se com a água mais límpida e fresca que se possa imaginar!