A lenda da Moura

A lenda da Moura

Texto adaptado por Maria Hermínia Nadais, recolha efectuada junto de Ana Maria Brandão
Ilustração de Ana Paiva, Beatriz Barge e Mariana Borges

A lenda da Moura

Conta a história que, em tempos muito recuados, tal como aconteceu com o resto do País, o Concelho de Vale de Cambra foi invadido pelos mouros que foram deixando, aqui e além, marcas evidentes da sua permanência.

Lembro, entre outras…. os poços escavados nas rochas do leito do Rio Caima, cheios dos mais variados detritos que o rodar constante do tempo para ali arrastou e onde dizem ter sido encantadas as mais lindas mulheres e as mais variadas riquezas.

Pelo que chegou até nós, a convivência dos mouros com os naturais não terá sido muito pacífica.

Na antiga ligação Porto/Viseu há determinados pontos estratégicos onde terão acontecido sucessivas e renhidas lutas, como é o caso da Reta da Batalha e de outras localidades que há por aí.

Os mouros, fundamentalistas como sempre, tinham a sua religião muito arreigada, com práticas e costumes específicos muito enraizados.

Mas, no meio de todas as confusões e desatinos, havia mouros que se convertiam ao cristianismo, e era mesmo muito natural e frequente as raparigas mouras apaixonarem-se pelos católicos portugueses, o que as levava a serem definitivamente afastadas das relações familiares, chegando mesmo a sofrer terríveis maus-tratos e perseguições.

Neste contexto, conta uma bela lenda que uma dessas mouras perdidas de paixão acabou por casar com um homem da Freguesia de Rôge, ficando a residir numa zona circundante da igreja denominada de Oliveiras, perto do Passal.

A “mourinha” habituara-se bem ao amanho da terra e a vida ia decorrendo com normalidade.

Porém, num certo dia em que as saudades lhe apertaram mais o coração decidiu solicitar ao marido a visita a uma amiga também desgarrada da família que vivia lá para os lados de Arões.

Como não havia outro meio de transporte e ainda não tinham filhos, resolveram sair montados num cavalo.

Desceram o Passal, subiram até ao fundo da Berbedă e continuaram a cavalgar descendo de novo até ao Rio Caima.

Então, ao chegar à Ponte do Castelo…. a moura olhou as Alminhas, na saída da Ponte, e pediu ao marido que a deixasse descer para rezar um pouquinho junto delas.

O marido puxou as rédeas e o cavalo arrepiou o passo e estacou no meio do caminho. A rapariga apeou-se e ficou frente às Alminhas enquanto ele avançou um pouco mais para que rezasse sozinha, à sua vontade.

Quando a moura rezava, apareceu-lhe um menino bem pequenino, andrajoso e faminto, a pedir esmola.

A mocinha olhou a criança, muito enternecida! E como nada mais possuía, deu-lhe um bom bocado do pão que levava para o farnel, e continuou a rezar.

Acabadas as orações, traçou o sinal da cruz, e, ao deixar as Alminhas, deparou-se com um velhinho de barbas muito brancas que retirou de um bornal (saco) alguma coisa que ela acolheu no avental!

O venerando ancião sugeriu que ela guardasse a dádiva muito bem guardada, pois não tinha mais nada para lhe oferecer.

A rapariga aceitou, e muito docemente, agradeceu. Mas, quando abriu o avental… ficou muito desapontada e acabou por jogar fora o carvão que o homem lhe tinha dado… enquanto ia pensando consigo mesma:

– Coitado do velhinho! Deve ser um avô do menino… e quis agradecer-me com o melhor que tinha… com toda a certeza!… Mas… para que quero eu estes carvões?!…

E lá foi ter com o marido, já adormecido à sombra de uma árvore onde tinha amarrado o cavalo.

Chamou-o, carinhosamente! Montaram o animal, e seguiram a viagem.
Mas… tremendamente intrigada com a oferta do carvão, contou ao marido tudo quanto lhe tinha acontecido… e foi buscar os dois pequenos bocadinhos que tinha guardado no bolso do avental para lhe mostrar…

Ficou espantada…. pois não eram mais dois carvões… mas duas lindas pedras de ouro fino, puro e reluzente.

Ao verificar que o carvão, afinal, era ouro… imensamente surpreendidos… voltaram para trás a toda a pressa para ver se conseguiam apanhar o ouro deitado fora… mas não viram mais nada.

Como se falava que aquela zona era magicamente habitada por mouros, deduziram que o velhinho das barbas brancas, de certeza, era um mouro que, vendo a jovem senhora deitar o carvão fora, o tinha guardado de novo para ele.

Então… com medo de possíveis ataques provindos da mourama, tentaram sair dali, imediatamente!

Mas o cavalo, como que amarrado… não conseguia mexer as patas. E foi tanta a força que fez para conseguir levantar as patas do chão… que as ferraduras ficaram indelevelmente marcadas na enorme pedra da calçada.

A moura e o marido… assustados…. não mais voltaram a casa… pois nunca mais foram vistos na povoação!

Para recordar o evento, ficaram, bem impressas na rocha do caminho, as marcas permanentes das ferraduras do cavalo que os transportou.

De momento, como não tive oportunidade de ir ao local, não sei se estão lá… mas ainda há muito pouco tempo, ao vir de Rôge para Santa Cruz pelo caminho da Represa, como vulgarmente se diz, depois da Ponte do Castêlo, e já bem perto da Barragem Duarte Pacheco, se podiam ver, bem definidas na rocha, as duas grandes patas de cavalo.