A lenda da mina do diabo

Lenda

Texto adaptado por Maria Hermínia Nadais, recolha efectuada junto de Ana Maria Brandão
Ilustração de Ana Silva, Jéssica Fernandes e Susana Martins

A lenda da mina do diabo

Ao fundo do Campo dos Carreiros da Quinta do Covelo, outrora pertencente ao Manuel Brandão, um grande contador de histórias, atualmente pertença do filho, Anibal Brandão e onde o neto Luís põe todas as suas delícias, existe um rochedo fendido de alto abaixo, voltado para o rio Caima, e que outrora, sem se saber porquê, foi chamado “A Mina do Diabo”.

A Maria do Auquério, que residia na Moreira de Rôge, numa casa que ainda hoje existe, era uma senhora muito especial.

Dadas algumas vivências pouco ortodoxas, vivia numa situação de medo permanente.

A casa dela, para a época, era muito boa e bonita, rodeada de jardins com as melhores e mais belas roseiras que se viam nas redondezas, das quais ela oferecia flores, mas nunca estacas nem plantas com raiz. Era muito possessiva e queria ter sempre o melhor só para ela.

O primeiro andar da casa tinha boas mobílias, um belo gradeamento e portão, nada lhe faltava.

Mas o mais curioso é que ela dormia no rés-do-chão, na loja do vinho, onde tinha o lagar para pisar as uvas, a prensa para espremer o bagaço, as pipas para guardar o vinho.

Nunca se viu ali qualquer cama, e passava a noite toda com a candeia de azeite acesa, mesmo depois da chegada da eletricidade.

Fechava tudo bem fechado, e era frequente vê-la andar por ali, desvairada, à procura da chave.

Tinha muitas cabras e ovelhas… e olhava muito bem pelo que era dela. Frente ao rochedo denominado “A Mina do Diabo”, do outro lado do rio e encostado a um outro cabeço perto de Vila Nova, a Maria do Auquério tinha um pequeno mato cheio de enormes carvalhos, de onde caíam inúmeras bolotas e folhas.

A zona era exclusivamente agrícola… e as dificuldades muitas. Pelo que todos estes produtos podiam ser furtados por pessoas de ambos os lados do rio: as bolotas para uso caseiro ou para serem vendidas para a alimentação dos porcos, e as folhas para serem colocadas nas camas dos animais de onde saía o fertilizante para os campos…. que também podia ser posteriormente vendido aos senhores das grandes quintas… o que ajudava a equilibrar o orçamento.

Em face destes problemas, a senhora Maria passava o tempo por ali, escondida atrás do cabeço da Banda de Além para impedir os assaltos ao seu mato, principalmente nas horas estratégicas para o efeito, ou seja, de manhã bem cedo, na hora do almoço e à noitinha, normalmente depois do toque das Trindades.

Num desses dias de vigilância em que a Senhora Maria estava de sentinela escondida perto do dito cabeço, quando, no sino da igreja de Rôge soavam as nove badaladas do toque das Avé-Marias, ao meio-dia em ponto, ela viu, na encosta do cabeço d’A Mina do Diabo uma bela senhora de cabelos longos e loiros, sentada, a pentear-se.

O estar uma senhora a pentear-se fora de casa era natural daquele tempo, mas como era possível alguém chegar àquele despenhadeiro tão íngreme e ficar lá sentada? Como é que ela subia?… E como é que ela descia?…

A senhora Maria não compreendia… nem se conformava com o que via. Então, olhava cada vez com mais atenção… quando, para seu maior espanto… viu surgir, da parte de trás da maravilhosa senhora, um menino bem pequeno que a agarrou pelo pescoço e a arrastou para dentro da fenda do rochedo… e nunca mais viu nada, mesmo nada!….

Apavorada com o que observou… a Maria do Auquério regressou a casa. Trazia um pau grosso na mão, e foi levá-lo ao Manuel Brandão para ele lhe fazer um cabo para uma foicinha… e ao mesmo tempo para lhe contar o acontecido lá no cabeço da quinta do Covelo.

Enquanto falavam, chegou a Ana Maria, filha mais velha do Manuel… a quem nada contaram… mas que ficou muito curiosa com algumas coisas que ouviu.

E lembrou-se de ter ouvido dizer a umas amigas da Banda de Além (Vila Nova e Santa Cruz) que as pessoas mais velhas afirmavam muitas vezes que, de noite, se via uma luz no meio daquele cabeço.

O tempo foi passando… até que a Ana Maria se tornou mulher e casou com um homem de Vila Nova.

E num certo dia, altas horas da noite, quando andava, nos campos em frente, a regar a água da levada, lá avistou a referida luz, no local exato do rochedo.

Segundo as pessoas mais antigas… a recente chegada da eletricidade escondeu a visão de muitas luzes estranhas que outrora apareciam, de noite!!…

No entretanto, aquela fenda do cabeço continua aberta… sem que ninguém se aproxime dela!… E ao que parece…. lá continuará aberta, indefinidamente, e a chamar-se “A Mina do Diabo”, até que algo que nos transcenda venha derrubar o enorme cabeço e acabar com a lenda!