A saúde tem quatro pernas

Saúde

por Manuel Luciano da Silva, Médico

Foi em 15 de Abril de 1948, que a Organização Mundial de Saúde publicou a seguinte definição de saúde:

“Saúde é o completo estar físico, mental, familiar e social de cada ser humano.

”Apesar desta definição ter já três décadas, praticamente toda a gente julga que para se gozar de perfeita saúde, basta só ter um bom corpanzil.

Mas isso está muito longe da verdade!
Para que um indivíduo goze de óptima saúde tem que possuir os quatro factores em equilíbrio: físico, mental, familiar e social.

A saúde é portanto semelhante a uma cadeira com quatro pernas.Todos nós sabemos que uma cadeira para que seja segura, que assente bem, tem que ter as quatro pernas todas iguais, de contrário, se uma perna é mais curta que as outras, quem se sentar nela, catrapus, trambolhão pela certa, cai como a saúde, cai enfermo!

A importância da saúde física já vem da Antiguidade com a criação dos Jogos Olímpicos pelos gregos, quase oito séculos antes de Cristo nascer (776 a. Cristo).

Porém, nos nossos dias, a automatização: o automóvel, os elevadores, menos horas de trabalho, tornam a vida moderna muito mais sedentária do que tinham os nossos antepassados.

Em contra partida, os nossos imigrantes, vindos quase todos do mundo rural, trabalhando arduamente na lavoura, chegaram à América do Norte com maior capacidade física do que os americanos.

Mas depois muitos estragaram-se, engordando, bebendo e fumando até ou mais do aqueles que já cá estavam.

Ainda o mês passado, na quinquagésima sessão da Associação Cardíaca Americana realizada em Miami, Florida, foram apresentados resultados médicos demonstrando: quanto maior for a capacidade de exercício físico do individuo, menos será o seu risco de ataque cardíaco.

Como contra prova verificou-se: quanto mais preguiçosa, quanto mais tempo uma pessoa passar sentada maior será o perigo de morrer de ataque do coração.

Há indiscutivelmente, uma relação íntima entre a saúde e a capacidade física.

A actividade muscular é portanto salutar e todos os educadores e governos exigem a ginástica obrigatória nas escolas, para um melhor desenvolvimento físico da juventude.

Há dois mil anos, os Romanos já sabiam que a saúde física era essencial para a saúde mental.

O poeta Juvenal descreveu em latim o Homem ideal romano:
“Mens sana in corpore sano” – “Um espírito são em corpo são”.

Infelizmente, nos Estados Unidos as estatísticas sobre doenças mentais são verdadeiramente arrepiantes.

Cerca de dez por cento da população americana, ou sejam vinte milhões de pessoas sofrem de doenças mentais.

Mais de um terço dum milhão e meio de camas hospitalares que existem nos Estados Unidos são ocupadas por alienados mentais!

As doenças mentais costumam dividir-se em orgânicas e funcionais.

Orgânicas quando há lesão no cérebro antes do nascimento, ou depois por doença ou acidente.

As doenças mentais funcionais são as mais frequentes. Embora não haja lesão no cérebro propriamente dito, todavia, a mente não funciona como deve ser, resultando daí condições de ansiedade nervosa, depressão, delinquentes, alcoólicos, drogados e até criminosos.

Muitos especialistas acreditam que a maneira como somos criados, quando somos crianças de tenra idade, tem uma importância extraordinária na formação da nossa personalidade, capaz de enfrentar mais tarde as dificuldades da vida.

Se assim é em Portugal e Ilhas Adjacentes, apesar da elevada moralidade infantil, as crianças são criadas num ambiente mental com mais calor humano.

A mãe não só dá de mamar aos filhos, mas também para suprir as deficiências materiais, os compensa com mais carinho e com mais amor!

Duma maneira geral a mãe estará em casa para receber os filhos quando eles regressam da escola.

Na América – por muito cruel que pareça – a mãe é o frigorífico!

Os filhos quando chegam da escola vão direitos ao frigorífico; o pai faz a mesma coisa quando regressa do trabalho e até a pobre da mãe recorre ao frigorífico, porque como trabalha na fábrica nos dias da semana, tem que cozinhar ao sábado e ao domingo metendo a comida dentro do frigorífico para se sentir aliviada durante a semana seguinte…

Além disso na América, noventa por cento das mães NÃO dão de mamar aos filhos.

O que é um verdadeiro contra senso.Todas as raças humanas, todas as classes sociais e económicas estão sujeitas as doenças mentais.

Todavia verifica-se que as doenças mentais são mais frequentes nas cidades do que nas aldeias. Porquê?

Porque as relações humanas e as exigências da vida moderna são muito mais chocantes e violentas nas cidades.

Será por isso que cerca de trinta por cento dos nossos imigrantes quando procuram o médico, têm todos a mesma queixa:

“Sr. Doutor, eu tenho muitos nervos!”

A família é a unidade básica mais importante da humanidade.

O vigor das nações pode medir-se pelo calibre moral, cultural e social das suas famílias.

Nos Estados Unidos existem cinquenta e um milhões de famílias.

A família americana consiste de marido, mulher e duas crianças.

Se a saúde total tem quatro pernas, não há dúvida nenhuma, que a saúde familiar para ser forte, para ser feita de cerne, tem que possuir quatro ingredientes essenciais: amor, dedicação, honestidade e respeito.

Sendo os Estados Unidos o país mais rico do mundo, era de esperar que a saúde familiar fosse a mais exemplar.

Verifica-se exactamente o contrário.Os americanos são os campeões do divórcio.

Nos últimos cem anos, o divórcio nos Estados Unidos aumentou mais de quinze vezes!

O ano passado realizaram-se na América e 2,134.248 casamentos.

No mesmo período conseguiu o divórcio 1,077,000 casais correspondendo a percentagem incrível de quase cinquenta por cento de divórcios!

O divórcio nos Estados Unidos atingiu proporções catastróficas de epidemia nacional a que podemos chamar uma “divorcite aguda”.

Se a percentagem de divórcios é a mais alta entre os pretos, entre os protestantes ou entre casamentos com religiões ou etnias diferentes, os lavradores quer nos Estados Unidos quer no resto do mundo têm um índice de divórcio extremamente baixo!

Mais de metade dos casais americanos que se divorciam têm filhos.

Se o divórcio afecta profundamente as crianças, há especialistas que acreditam ser menos prejudicial para os filhos a separação dos pais do que continuarem a viver no meio infernal da família completa.

Quando chegam a América os imigrantes portugueses trazem consigo um nível mais elevado de moral, religião e união familiar do que encontram na sociedade americana.

Mas a fartura na terra da América estraga muita gente.Infelizmente, muitos dos nossos imigrantes modificam-se.

Deixam-se levar pela corrente tumultuosa do materialismo e acabam por sofrer as consequências iguais aos americanos.

Felizes são aqueles imigrantes que têm senso comum, que aproveitam as oportunidades do meio americano e que mantêm, com grande força de vontade, a saúde familiar no mesmo equilíbrio que possuíam antes de virem para a América. Parabéns!

A quarta perna indispensável para a saúde total é a saúde social.

Ainda há poucas semanas a Universidade da Califórnia, em Berkeley, (Dra. Lisa Berkman) publicou os resultados, muito curiosos, duma investigação que levou nove anos, demonstrando que as pessoas que têm poucos contactos sociais, pessoas que preferem viver isoladas ou sós, correm um risco quatro vezes maior de morrerem de ataques do coração, de cancro de doenças pulmonares ou digestivas e até de acidentes ou suicídios, do que as pessoas que são casadas, que conseguem fazer bons amigos e que tomam parte activa em clubes sociais ou religiosos.

O homem é por definição um animal social.

Mas o que não está certo é o marido ir ao clube ao sábado e ao domingo, embebedar-se, chegar a casa e bater na mulher e diz “que é para afinar a guitarra”.

Ele, o marido, é que está desafinado.Precisa de ser tratado porque tem a perna social carunchosa.

Igualmente tem a perna social podre, manqueja todo aquele que gasta o ordenado no jogo ou com a amante.

Eu sei que há pessoas que me criticam por eu tomar parte activa nas colectividades luso-americanas, colaborar na imprensa, na rádio na televisão e até nas investigações históricas com a Pedra de Dighton.

Dizem eles:
“O Dr. Silva devia limitar-se só à Medicina”.

Julgam que a medicina deve terminar no consultório, receitando só pastilhas ou cápsulas.

Como médico emigrante, penso ser minha responsabilidade profissional interessar-me pelo completo bem estar da nossa gente.

Por isso, ao trazer-vos este artigo, “A saúde tem quatro pernas”, sei que estou a exercer medicina, como manda a Organização Mundial de Saúde.