Um Baptizado – Visita Pastoral

por António Ayres Martins

No dia 25, logo pela manha, D. Antonio Barroso, sempre ao som das philarmonicas que entoavam o himno nacional, fez entrada solemne na capella, onde resou missa, assistido pelos srs. conego Bernardo Gomes de Almeida, padres Joaquim Lopes, Espirito Santo e Joaquim Manuel Tavares, e nessa ceremonia administrou a primeira communhão a tres elegantes meninas, sendo a de nome Alzira, filha do proprio sr. Martins, outra de nome Carmelita, sua sobrinha, e finalmente a terceira, de nome Suzanna, sobrinha do sr. Nunes, tabellião em Macieira de Cambra.

A concorrencia, como nos dias antecedentes, era extraordinaria.

Além do sr. dr. Carlos Braga, governador civil de Aveiro, tambem se achavam presentes os srs. administrador do concelho de Cambra, Bento Carqueja, commendador Leite, Antonio Albergaria Castro e Silva, Joaquim Henriques, Tavares Bastos, Viscondessa de Castro e Silva, dr. Antonio Henriques, etc., etc.

No acto de ser administrada a communhão, o rev. padre Patricio, usando dos brilhantes dotes oratorios que Ihe são peculiares, fez uma tocante allocução, aconseIhando ás tres neophytas a senda luminosa da crença para colherem o premio inapreciavei da virtude.

Esta pratica, ainda que pelo seu conteudo restricto não revestisse formas tribunicias, nem por isso deixou de commover fortemente o auditorio, que senão fez brilhante e calorosa ovação ao eloquente orador, foi porque nem o logar, nem a occasião, permittiam manifestações de applauso, por mais leves e menos significativas que fossem.

Em seguida á missa, o venerando prelado do Porto baptisou solemnemente uma filhinha do sr. Martins, servindo de padrinhos os irmãos da neophyta, José Antonio Martins Junior e Alzira de Oliveira Martins, que Ihe derão o nome de Marietta.

Esta ceremonia, a ultima de grande festividade, terminou quasi ao meio dia.

O templo, literalmente cheio de pessoas, não permittia que todos satisfazessem o desejo de admirar, ainda uma vez, o illustre prelado portúense.

Muitos curiosos enchiam o espaçoso atrio, pois o tempo havia melhorado durante a noite, e, aos aguaceiros impertinentes, succedera um sol esplendoroso, a illuminar, triumphalmente, as cruzes que encimam as culminancias do edificio.

Uma banda de musica havia tomado posição a um lado do atrio, e ao lado opposto formava a guarda de infantaria, afim de prestar ao preclaro bispo, as honras militares do estylo.

D. Antonio Barroso, no meio da multidão que se retirava lėntamente, a todos dava a beijar o annel prelaticio, e a todos agradecia com o sorriso da bondade evangelica.

Afinal, por entre as alas do povo que se descobria respeitosamente, o venerando prelado sahiu pela porta principal da capella, atravessando o atrio celeremente, em quanto a guarda apresentava armas e a philarmonica fazia soar o himno nacional.

Findara então a parte official da grande funcção; mas o povo, sempre em grandes agglomerações, continuava, por sua conta, a serie de fesiejos que se prolongavam até altas horas da noite.

D’ahi em diante, todos tiveram livre entrada no interior do templo, porque as ceremonias religiosas haviam terminado completamente.

Andores e ornamentação interior, tudo se conservou ainda por algumas horas, e foi nesse intervallo que melhor se pôde apreciar o trabalho artistico do esculptor portuense, Estrella.

Vistas de longe, como na procissão, as imagens dos santos não poderiam soffrer rigorosa apreciação, por que nem a distancia, nem a frouxa luz do ceu, nesse dia, permittiam observação rasoavel.

Mas agora, vistas de perto e sem apparato ornamental que estorvava a vista do observador, essas esculpturas, verdadeiramente artisticas, revelavam bellezas incomparaveis.

Foi tambem nessa occasião qne nos chegou ás máos uma bella estampa de S. Gonçalo, que havia sido distribuida pelos fieis, durante as solemnidades da grande festividade, e aqui reproduzimos uma poesia, que vinha escripta no verso da dita estampa:

Milagroso S. Gonçalo, em Coelhosa

Coro

Cantemos, cantemos,
Com todo o fervor,
Virtudes do Santo
Que é o nosso amor.

S. Gonçalo portuguez,
S. Gonçalo d’Amarante,
Lá no ceu mimo d’um Deus,
Na terra estrella brilhante.

Recebei no templo novo,
Que um devoto vos off’rece,
Versos, hymnos e canções
Da nossa alma intima prece.

Para trilharmos a senda
D’este mundo com valor,
Fazei-nos vossos devotos,
Inspirae-nos santo amor.

Se da patria onde nascestes,
Tendes sido sempre a gloria,
Do mundo, contra as paixões,
Fazei-nos cantar victoria.

Protegei-nos nesta vida,
Acompanhae-nos na morte;
Assim ditosa será.
S. Gonçalo, a nossa sorte.

Nos dias que se seguiram ainda o preclaro bispo do Porto fez a visita pastoral á maior parte das egrejas deste concelho, sendo em todas recebido com as maiores demonstrações de regosijo.

Na egreja de Castellões houve Chrisma, além de muitas outras formalidades do culto catholico, todas presididas por D. Antonio Barroso.

Em Codal e Villa-Chã tambem houve visita pastoral, porém as recepções de Roje e de Macieira, a todas sobrepujaram.

Nos jantares de honra, offerecidos pelos priores de Macieira e Roge, foram erguidos diversos brindes, alvejando todos o preclaro sacerdote, que, commovido, agradecia tantas provas de estima e gratidão.

Terminada a visita pastoral, D. Antonio Barroso dirigiu-se para Oliveira de Azemeis, onde se hospedou em casa do talentoso jornalista Bento Carqueja, seguindo depois para Carregosa, afim de assistir á inauguração da linda capella que o bispo conde de Coimbra havia mandado erigir a N. S.a de Lourdes.

Com relação aos imponentes festejos e á obra meritoria do sr. José Antonio Martins, dotando sua terra natal de tantos e tão importantes melhoramentos, crêmos ter dito o bastante para pôr em relevo a nobreza dos seus sentimentos e a grandeza de sua alma; por conseguinte nada mais diremos ; mas commeteriamos grande injustiça se não alliassemos ao seu nome, o de sua digna e virtuosa esposa, pois esta illustre senhora
foi por assim dizer o incentivo para que seu esposo prestasse á sua terra os melhoramentos que vimos de assignalar.

Apesar de ter nascido no Brazil, na bella cidade do Rio de Janeiro, tem pela patria de seu marido as maiores sympathias, e d’ellas tem dado provas nos constantes beneficios que lhe tem dispensado, não sendo dos menores o ter offerecido, para o cemiterio de Castellões, 200 louzas para serem marcadas as suas sepulturas, livros para escripturação e um regulamento, o que tudo foi éntregue á Junta de Parochia.

Além d’este importante donativo, um dos sinos da nova egreja de Coelhosa, é tambem offerta sua, e constantemente está a beneficiar a pobreza do logar, com esmolas e outros confortos, pois que ainda o anno passado lhes mandou dar 50 cobertores para agasalho.

Portanto, repetimos, seria injustiça não ligar aqui o seu nome ao do seu digno marido, por isso mesmo que os retratos d’elle e d’ella, ornam, reunidos, a primeira pagina d’este nosso singello trabalho.