O Futuro de Cambra

por António Ayres Martins

Até aqui temos-nos conservado mais ou menos adestrictos ao assumpto que nos propuzemos tratar n’esta obra, ainda que a nossa penna, mais ou menos impulsionada por ideias intercorrentes, se tenha, uma ou outra vez, afastado da senda que deveriamos ter seguido directamente.

Mas é difficil, mesmo muito difficil, obedecer rigorosamente á linha recta d’um plano preconcebido, por mais secco e geometrico que seja o espirito de quem escreve.

Assim, sem que nos fosse de necessidade inevitavel traçar ligeiro esboço da area e populaçãc do concelho de Cambra, o nosso espirito, obedecendo talvez a leve fagulha d’amor patriotico, não pôde deixar no olvido a memoria da terra que nos foi berço.

Não era, certamente, mal cabida a descripção: quem narra as peripecias d’um drama, tem, necessidade de apresentar o scenario onde se desenrolam as scenas.

Por isso, afim de completar, de qualquer forma, o esboço iniciado no primeiro capitulo, vamos agora expor alguns apontamentos que não serão mal cabidos em obra d’esta natureza.

A população d’este concelho, como dissemos anteriormente, apresenta muito maior densidade nas freguezias circumvisinhas do florente Valle de Cambra, do que na area que se extende para alem do rio Caima, rio que deve ser considerado como limite natural, entre a parte campesina e a parte serrana do concelho de Cambra.

Ora é evidente que industria e commercio, sempre foram predicados de populações mais numerosas; por isso, é tambem facto incontestado que a maior parte da actividade commercial e industrial dos cambrenses, reside essencialmente nas freguezias que accumulam, em igual superficie, maior numero de habitantes.

E entre as povoações que pela sua importancia commercial, merecem referencia especial, devemos citar o logar de Gandra, na freguezia de Villa Chã.

É n’esse largo, amplo e espaçoso, que funcciona a feira mensal, no dia 9 de cada mez; é ainda no mesmo local que se reune a praça dominical, tão benefica para a população rural.

Além d’isto, ainda um bom numero de casas commerciaes e fabris, concorrem para o grande desenvolvimento d’esse centro, elevando o á cathegoria de verdadeiro emporio concelhio.

Tambem os bellos povoados de Pinheiro Manso e Coelhosa, tem direito a uma referencia muito honrosa, não só pelas esplendidas vivendas dos srs. Abilio Pina e seu irmão José Antonio Martins, como tambem pelos seus importantes estabelecimentos commerciaes, que só
encontram rivaes no ponto central que acima descrevemos.

Qual será, porém, a causa d’esta differença, entre as povoações da campina e aquellas que habitam a serrania?

À primeira vista, é possivel que todos attribuam semelhante desigualdade, á propria natureza do territorio, á propria topographia local, que depõe a favor dos habitantes da planicie.

Todavia, uma reflexão mais demorada habilitar-nos ha a pensar que outras tambem concorrem, em alto grau, tal differença, e não será difficil apontar algumas para que devem merecer especial cuidado, sobretudo d’aquelles que se interessam pelo verdadeiro progresso do
concelho de Cambra.

Em primeiro logar, devemos referir-nos á falta de vias de communicação.

Não ha duvida que as estradas actuaes, ligando o Valle de Cambra aos concelhos de Oliveira e Arouca, deram grande incremento á vida economica e commercial de todo o concelho; mas a insufficiencia das communicações, ainda se faz sentir, sob todos os pontos de vista.

Seria, pois, da maxima utilidade, o prolongamento immediato da estrada de Santa Cruz.

Ficariam assim ligadas directamente todas as povoações distantes de Cambra.

Junqueira e Arões perderiam o isolamento em que tem até hoje vivido; alem desta, tambem devemos lembrar a construcção d’uma estrada, que, partindo do ramal de Arouca, galgasse as alturas de Carregosa e fosse ligar com a estrada que de Cesár conduz a S. João da Madeira.

Só d’esta maneira se evitariam as delongas e os incommodos das viagens indirectas, sempre dispendiosas e demoradas.

A ligação directa d’este concelho com a cidade do Porto, deve constituir para os cambrenses uma questão capital.

Tambem não é fora de proposito lembrar a terminação da estrada das Baralhas ás Talhadas, que deve attingir as alturas da serra de Castellóes.

Alem do facil accesso, no dia da importantissima romaria de N. S. da Saude, teria mais a vantagem de ligar os povos de Cavião e Janardo com os centros do Valle de Cambra.

Agora, quanto a interesses espirituaes, seria pleonasmo acusarmos a falta de instrucção popular entre todas as povoações do concelho.

Mas o remedio para este mal, não depende sómente de vontades particulares: esperemos que a iniciativa municipal auxiliada pela vontade d’um governo patriota, venha pôr cobro a semelhante estado de coisas.

Por ultimo, e como ponto culminante de tantos melhoramentos reclamados, lembramos a creação d’um hospital em qualquer logar do concelho, onde as condições hygienicas se mostrem mais favoraveis.

É para este ultimo, assumpto que ousamos chamar a attenção do sr. Jose Antonio Martins.

À sua poderosa iniciativa, deve o concelho alguns melhoramentos de summa importancia; é de suppor que o seu papel philantropico continue a ser desempenhado com a mesma abnegação e o mesmo amor pela terra natal.

A construcção d’um templo, é obra meritoria, não ha duvida; mas a edificação d’um hospital, onde encontrassem guarida os desprotegidos da sorte, constituiria o mais bello florão de gloria que um cidadão podesse cingir na sua fronte.

É muito provave que o sr. Martins se tenha d’isto lembrado mais d’uma vez; porém o receio do egoismo alheio, talvez o tenha feito esmorecer.

Não se arreceie dos egoistas. É sempre bello praticar o bem, sem mesmo medir a profundidade do sacrificio.

Se os hospitaes são os sanatorios do corpo, as escolas são as pharmacias do espirito, e nós já possuimos uma, na freguezia de Castellões, no logar de Burgães, regida pelo celebre Padre Mestre, do Cabeço, onde se estudavam perparatorios, que foi uma verdadeira honra para esta localidade, pois d’ella sairam discipulos, que pelas altas posições que occupam na sociedade, são hoje uma gloria não só nossa como do paiz inteiro; e entre elles podemos citar o actual bispo conde, de Coimbra e seu irmão. D. Prior de Cedofeita ; D. Thomaz, bispo da Guarda; os dezembargadores Coelho da Rocha e Pinto da Motta; bem assim o conselheiro Daniel Ribeiro, que por muitos annos foi consul geral de Portugal, no Rio de Janeiro.

Ora, o benemerito Sr. Martins, não é menos digno de ser citado, a par d’estes nomes; embora saido de um meio differente, honra tambem a sua terra pelo muito que tem feito por ella, e não só por isso como pela bella posição social que occupa como homem de bem.

Despido de vaidades, se não está já nobilitado por um titulo honorifico, é porque não quer; pois o governo, tendo em vista os serviços prestados á sua terra, já lhe concedeu a commenda da Conceição, que elle não aceitou.

Portanto, póde orgulhar-se de ser um cidadão benemerito entre os seus conterrancos, e quando na hora extrema, recordar e contemplar os beneficios tão prodigamente por elles espalhou, entre os quaes alguns perduraveis, que servirão para attestar aos vindouros a sua caridade e o seu patriotismo; com a serena consciencia de ter feito alguma cousa de bom sobre a terra, e de ter dedicado á sua o mais carinhoso affecto, poderá tambem exclamar com o sublime cantor das nossas glorias :

ESTA É A DITOSA PATRIA MINHA AMADA

O Futuro de Cambra
O Futuro de Cambra