Primeiras Recordações
Estação 1
Localização: Rua Ferreira de Castro, n.º 1620
Local de implantação: Quinta Ferreira de Castro. Debaixo do patim da escadaria e encostado a esta.
Coordenadas GPS: 40°50’13.21″N 8°25’42.34″W
Distância total: 0 Km (pedestre) / 0

Primeiras recordações
«Eu nasci a 24 de Maio de 1898. […] É em 1902 que começo a povoar o museu da minha vida, a decorar a galeria das recordações.
Foi numa tarde de sol — tarde de luz forte que eu vejo ainda — que dei início à tarefa.
Eu brincava na estrada amarela que corria ao longo da casa onde nasci.
A diabrura que pratiquei, desvaneceu-se no esquecimento; mas lembro-me, sim, que minha mãe, saindo do quinteiro e agarrando-me por um braço, castigou-me.
Passava na estrada, enxada ao ombro, um homem alto, bigodes retorcidos, festonando as faces trigueiras.
Deteve-se, sorriu e disse:
— Assim é que é, senhora Mariquinhas! Nessa idade é que eles se ensinam.
Odiei aquele homem. Porquê, em vez de me proteger com a sua força, ele estimulava minha mãe a castigar-me ainda mais?
Porque era ele tão mau e porque sorria vendo-me sofrer, se eu nunca lhe tinha feito mal?
É esta a minha primeira recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me deu. Eu tinha quatro anos e meio.» [1]
Um dia «deixei-me fascinar por um jogo infantil e roubei em casa uma colecção de botões, que era de grande estimação e que me valeu um severo castigo, logo repetido quando comecei a vender, ocultamente, para comprar fogos de S. João, várias lunetas que estavam guardadas na nossa velha escrivaninha.» [2]
«Sempre que eu regressava da escola, davam-me em minha casa O Comércio do Porto e diziam-me:
— Vê lá! Vê lá se sabes ler!
Pequenito, seis a sete anos, já com o vírus precoce do sonho, eu ia soletrando, primeiro; depois, com a passagem dos meses, lendo, e, por fim, admirando…» [3]
[2] Ferreira de Castro, «Memórias inéditas», Jaime Brasil, Ferreira de Castro e a Sua Obra, Livraria Civilização, Porto, 1931, p. 8. [3] Ferreira de Castro, «Memórias inéditas», Jaime Brasil, Ferreira de Castro e a Sua Obra, Livraria Civilização, Porto, 1931, p. 9. [1] Ferreira de Castro, «O segredo das nossas derrotas – Como eu fui preso no Limoeiro», Grandes Repórteres Portugueses da Ι República, Foto Jornal, Lisboa, 1986, p. 93.