Natal em Ossela
Estação 5
Localização: Rua Ferreira de Castro, n.º 1620
Local de implantação: Quinta Ferreira de Castro. 2ª leira, com o “mupi” encostado ao muro da terceira leira e de costas para esta.
Coordenadas GPS: 40°50’14.10″N 8°25’42.41″W
Distância total: 0,06 Km (pedestre) / 0 Km (automóvel)
O Natal em Ossela
«O vale ampliou-se com a noite. Não se vê, lá ao fundo, a Felgueira, que de dia cerra o horizonte com a sua lomba enorme.
Não se vêem os contrafortes de Santo António, bordados de pinheiros, nem os da Frágua, com as suas casuchas, nem os do Crasto, onde se ergue uma capelita branca.
Sumiu-se tudo no negrume. E o vale aumentou em extensão e profundidade. Parece que todo o mundo está aqui, na sombra imensa.
Almas, desesperos, ambições, impotências — e a trégua desta noite, em volta da lareira. Parece que não há mais nada.
Mas o vale chora, clama, geme sempre. Vuu-vu-vuuu, a ventania fustiga o esqueleto das árvores, os pomares despidos de folhagem, os choupos esgrouviados, os amieiros que debruam o Caima.
Sopra na telha vã, arrepia os colmados, passa e torna a vir — vu-vu-vuuu — como uma obsessão. A concha trouxe consigo toda a orquestra do mar.
Deve haver neve na Felgueira. E também cá para trás, para as bandas de S. Martinho, os caminhos devem estar cobertos de códão, estralejando sob as chancas de quem se meta pela noite negra. […]
Lá em baixo, corre o Caima, mas também a ventania lhe assimila o rumor da água nas suas quedas e serpenteios, por entre pedras limosas, enormes como ovos de ave mitológica.
[…]
Nas velhas cozinhas, em redor da mesa e ao fulgor da lareira, agrupa-se a família. Os velhos e as velhas, remotas esculturas enegrecidas e criadas pelo tempo; os filhos que estavam ausentes e que puderam vir e os que ainda andam fraldiqueiros a crescer.
O fiel amigo, com couves e batatas, é da tradição; quem tem mais posses, frita, também, a sua rabanada.
O vinho corre, rosado, transparente, sobretudo à hora do magusto, quando as castanhas estalam no fogo.
Cada lar parece viver isolado do mundo, sozinho no mundo, como se para lá das paredes negras de fuligem nada mais existisse. […]»[1]
[1] Ferreira de Castro, «O Natal em Ossela», Os Fragmentos, Guimarães & Cª Editores, 2ª Edição, Lisboa, [1974], pp. 56/57, extratexto.