10 – Margarida

Estação 10 – Margarida

Localização: Avenida Serafim Ferreira Paiva (lado oposto do nº 200) – lugar de Santo António.
Local de implantação: Passeio do lado oposto à escola, frente à janela de cima da mesma.
Coordenadas GPS: 40°49’42.29″N 8°26’0.37″W
Distância total: 1.60 Km (pedestre) / 1.43 Km (automóvel).
Próxima Estação: 28 m.

Margarida

Na época em que o aspirante a escritor fez o primeiro exame escolar passava «todos os dias, no largo para onde dava a escola, uma rapariga de 17 ou 18 anos — linda, linda para mim, como eu nunca tinha visto outra.

Chamava-se Margarida e embora este nome poético nunca fosse pronunciado sem um apêndice prosaico, eu gostava muito dela. E, um dia, propus a dois condiscípulos meus escrevermos-lhe uma carta.

Assim fizemos, mas nessa epístola bizarra, que eu queria que fosse de amor, traçaram os meus amigos várias obscenidades.

Assinada por nós três, seguiu a carta ao seu destino. Horas depois arrependi-me de ter pactuado com os dois condiscípulos. E, no dia seguinte, eu escrevia, sozinho e em segredo, a minha primeira carta sentimental.

Depois desta, outra, e outra, e outra. Apesar disso, a Margarida continuava a cruzar, indiferentemente, o largo, sem volver os olhos para a janela da escola, de onde eu a seguia com sofreguidão. E se eu me fazia encontrado no caminho por onde ela passava, voltava a cara sem dirigir à minha timidez uma só palavra, um olhar sequer.

Eu sofria com esse desdém e desesperava-me por ainda não ser homem. Ser homem!

Até aos 20 anos foi essa uma das minhas maiores aspirações. Crescer, ter barba, para que me dessem a consideração de que eu me julgava merecedor, para que não me humilhassem com aquele estribilho:

— “É criança, não sabe o que diz!” — mesmo quando eu dizia coisas muito acertadas…

Ah, como os adultos entenebrecem, inconscientemente, com a sua estulta superioridade, certas infâncias delicadas!

Eu sentia dolorosamente a disparidade que havia entre a minha idade e a de Margarida, mas alentava-me a lembrança da minha iniciação sexual que fôra feita antes […]. E, assim estimulado, continuava a escrever cartas arrebatadoras.

Essa assídua correspondência tornou-se, porém, conhecida. Riam-se dela e eu sofria pelo vexame que esse riso constituía para mim.

Um dia, como eu titubeasse na minha “Educação Cívica”, […] o sr. professor Portela abriu a gaveta da sua secretária e, tirando de lá uma das minhas epístolas à Margarida, exclamou:

— “Para estudar a lição não tem tempo; mas tem-no para escrever às filhas dos outros!” — Pediu-me a mão e deu-me uma forte palmatoada.

Outro dia, um irmão de Margarida, que, apesar de mais velho, era meu amigo, levou-me para o caminho de Santo António e ali me espancou.»[1]

1 – Primeiras Recordações
[1] Ferreira de Castro, «Memórias [1931]», Jaime Brasil, Ferreira de Castro e a Sua Obra, Livraria Civilização, Porto, 1931, pp. 10-11.