11 – As canas deslumbrantes

Estação 11 – As canas deslumbrantes

Localização: Avenida Serafim Ferreira Paiva – lugar de Santo António.
Local de implantação: Adro da Igreja. Junto à árvore que se encontra à esquerda da entrada principal.
Coordenadas GPS: 40°49’42.85″N 8°26’1.13″W
Distância total: 1.63 Km (pedestre) / 1.44 Km (automóvel).
Próxima Estação: 82 m.

As canas

«Eu ia fazer […] o meu segundo exame. Era necessário, porém, que o professor mandasse, até 1 de Julho, o requerimento para a vila. Mestre Portela descuidou-se e o drama foi inevitável.

No dia 29 de Junho [de 1909] inaugurou-se a igreja nova, mesmo ali na testa da escola — e houve festa rija, bandas em despique e foguetório de deslumbrar meus olhos virgens dos grandes espectáculos do mundo.

Nunca S. Pedro, patrono da terra nativa, gozara homenagem tão rica, sugestiva e esplendorosa.

No dia 30, à hora da saída, o professor entregou-me o requerimento, para que eu o colocasse na caixa do correio que ficava próxima da minha casa. Mal me vi, porém, em liberdade, outra preocupação me dominou.

Os pinheirais e os vinhedos que emolduravam a escola estavam todos traspassados pelas hastes brancas do fogo-de-artifício que fora queimado na véspera.

Não sei ainda hoje porquê, mas eu e todo o rapazio da aldeia tínhamos em grande valor essas canas esguias […].

Já na última noite, eu teria ido rasgar o fato por silvedos e tojais se não fora o olhar severo que minha mãe, gozando a festa, me lançara.

Agora, sim, podia desforrar-me! Não era a miséria dos foguetes de nove bombas que os progressistas queimavam quando venciam as eleições.

Tinham sido foguetes de lágrimas e outros deslumbramentos — hastes enormes e canudos envoltos em fio negro, maiores do que as armadilhas enterradas nos labirintos das toupeiras.

Salta aqui, trepa ali, uma hora depois eu tinha uma braçada de canas — uma braçada de felicidade. Mas ia pagá-la muito caro. Triunfante, dirigi-me para o correio. O estafeta já tinha passado. O requerimento já não podia ir nesse dia.

Pressentindo a catástrofe, chorei a tarde inteira. Chorei à noite. Chorei na manhã seguinte. A vaga esperança com que eu, por vezes, me confortava, não se cumpriu. Não se cumpriu. Não houve tolerância: os senhores da vila, implacáveis, comunicaram, dias depois, que, tendo chegado tarde o requerimento, o meu exame e o do filho do professor só se efectuaria no ano seguinte.

Desgosto para minha mãe, desgosto para o mestre, grande desgosto para mim.»[1]

1 – Primeiras Recordações
[1]  Ferreira de Castro, «Memórias [1931]», Jaime Brasil, Ferreira de Castro e a Sua Obra, Livraria Civilização, Porto, 1931, pp. 13-14.