21 – Casa de Manuel da Bouça

Localização: Rua da Barrosa – lugar da Portela
Local de implantação: No sentido Igreja Velha Portela, no terreno privado à esquerda, 10 m. após a ponte (rodoviária) da Barrosa.
Coordenadas GPS: 40°49’34.72″N 8°25’20.80″W
Distância total: 6.79 Km (pedestre). / 5.66 Km (automóvel).
Próxima Estação: 1280 m. (Estação 23, excluindo a Nº 22: 442 m.)

Casa de Manuel da Bouça

«A casa tinha, agora, um penacho de fumo, fumo da tarde, do jantar — algodão-em-rama que se desfazia, flutuante, translúcido, quase azul.

Às quatro paredes brancas, seguiam-se a capoeira da criação e o quintal, mui cultivado, muito verde — as couves gordas, os feijoeiros abraçados às estacas e as ervilhas cheias de garridice por terem flores como violetas.

As alfaces, viçosas e tenrinhas, dariam para alimentar todos os grilos que, nas redondezas, formavam em tardes cálidas e noites consteladas, de Verão, uma orquestra interminável e monossónica.

Fazendo sentinela à terra pródiga, duas cerejeiras contrastavam, pela sua frescura e opulência da folhagem, com a figueira árida […].

A cercar os mimos viçosos da natureza e a muitos deles servindo de dossel, corria a vinha, toda armada em carvalho e arame, com espigões no muro branco que ele sozinho erguera, aos domingos, desde os alicerces à dentadura de vidros partidos — veto indispensável ao arrojo da gatunagem. [1]
[…]
Até parecia injustiça de Deus que aqueles campos tão férteis, tão vastos, estivessem quase ao abandono […].

Para ele, sim, é que os campos estavam mesmo a jeito: ali, à mão, bastava prolongar o muro junto ao renque dos pinheiros, pois do lado de baixo o Caima constituía vedação natural. […] [2]
[Manuel da Bouça] trilhava a margem do rio, enxada ao ombro, a caminho das courelas.

Doía-lhe o coração por ver ali tanta água e, lá em cima, nas territas que lhe pertenciam, morrer de sede tudo quanto não fosse centeio. Ah, que quando ele voltasse, havia de abrir um poço fundo ou colocar uma bomba mecânica, igual a essas que vira perto da Gandra!» [3]

Regressado do Brasil, ao tornar a Ossela, pouco mais de nove anos depois, Manuel da Bouça ordenou ao motorista do táxi: «”É aqui! Pare lá!” — o automóvel encostou-se à cancela da Bouça. E de pé, sem descer, o repatriado quedou-se a contemplar tudo quanto o rodeava.

Era a sua vida, o seu passado, a sua casa, o seu quintal, a sua velha cerejeira. Ainda existia a sua velha cerejeira! E também a figueira, também a figueira! Ele olhava como se as árvores e as pedras o compreendessem e vibrassem sob a mesma comoção que o perturbava todo. [4]
[…]
A cozinha apresentava-se como outrora; as mesmas panelas, as mesmas louças, os tarecos, a fuligem, o mesmo cântaro[5]

Nota: a casa de Manuel da Bouça situa-se na margem direita do rio Caima, nos campos (ao fundo) que distam cerca de trezentos metros antes da curva acentuada deste curso de água.

1 – Primeiras Recordações
[1] Ferreira de Castro, Emigrantes, Guimarães Editores, 25ª edição, Lisboa, 1996, p. 19.
[2] Ferreira de Castro, Emigrantes, Guimarães Editores, 25ª edição, Lisboa, 1996, p. 20.
[3] Ferreira de Castro, Emigrantes, Guimarães Editores, 25ª edição, Lisboa, 1996, p. 31-32.
[4] Ferreira de Castro, Emigrantes, Guimarães Editores, 25ª edição, Lisboa, 1996, p. 230.
[5] Ferreira de Castro, Emigrantes, Guimarães Editores, 25ª edição, Lisboa, 1996, p. 246.