Fábrica de cerâmica NALDA – História

As origens

Há alguns anos, cerca dos inícios da década de cinquenta, uma pequena unidade fabril de objectos de cerâmica iniciava a sua produção na Relva, Vila Chã, no local onde actualmente funciona a empresa Famaval.

Designada como Fábrica NALDA, Neves e Almeida, Lda foi criada por Francisco Leite da Costa Neves, Avelino Soares Gomes, Virgílio Ferreira e José Soares de Almeida e produzia variada faiança de tipologia e decoração muito semeIhante àquela saída das oficinas de Alcobaça.

Por essa razão, quem possuía ou possui ainda peças originárias da empresa Nalda, confunde-as e atribui-lhes produção alcobacense.

A justificação para tal equívoco está no facto desta louça copiar nos motivos, nos tons, nas formas e nos processos de fabrico a louça de Alcobaça, a que não é alheio o facto da mão-de-obra especializada – oleiros, moldadores, pintores e forneiros – que trabalhava na fábrica, ser proveniente dessa região, contando apenas com aprendizes naturais de Vale de Cambra, que trabalhavam principalmente no acabamento e na pintura.

Não causa, portanto, estranheza a real e evidente semelhança que as peças produzidas pela fábrica Nalda apresentam, quando comparadas com as de Alcobaça e permite-nos compreender mais facilmente como é que muitas vezes somos levados a confundir uma peça feita em Alcobaça com uma outra feita em Vale de Cambra.

A fábrica laborou somente meia dúzia de anos e nela trabalhavam cerca de vinte operários estando, contudo, reservado para os mestres de Alcobaça as tarefas de forneiros, moldadores ou pintores, sendo os restantes, aprendizes sem especialidades bem definidas, destinados ao trabalho a nível de acabamento de peças e da pintura.

Trabalharam nesta empresa, alguns operários vindos das mais importantes fábricas de Alcobaça, como é o caso de Joaquim Leonardo, forneiro, que trabalhou na Olaria de Alcobaça, Alfredo Santos e João Pombo, pintores, trabalhadores da Elias e Paiva.

Inicialmente, no que respeita a instalações, a empresa possuía um forno, várias rodas de oleiro, tendo mais tarde adquirido um moinho para moer vidro, tarefa inicialmente, mandada executar em Aveiro, na zona de Aradas.

A sua produção destinava-se ao mercado nacional, fazendo-se a distribuição através de casas comerciais ou grandes armazéns.

As constantes dificuldades financeiras motivadas por problemas na aquisição de matéria-prima e de mão-de-obra especializada, levaram ao encerramento desta pequena empresa, pois os resultados obtidos não foram os esperados.

[Nesta altura, e antes do encerramento definitivo, Joaquim Leonardo alugou a fábrica aos sócios e ficou a trabalhar ainda durante algum tempo no fabrico de louça doméstica.]

No entanto, na sua curta existência, a produção da Nalda chegou a atingir muito boa qualidade e principalmente um certo bom gosto, quer nas formas quer na decoração, baseada em modelos e motivos paisagísticos imaginários, acompanhados da tradição vegetalista e sobretudo floral de Alcobaça.

Processo de fabrico

A principal matéria-prima era o barro proveniente da Azurva, na região de Aveiro ou do Barracão, próximo de Pombal, sendo as peças feitas, segundo os tradicionais processos de fabrico alcobacense, quer feitas à roda, quer moldadas pelo oleiro ou à lastra, em formas de gesso criadas na própria fábrica pelo moldador e cozidas em forno manual, feito de tijolos ligados com barro e alimentado a caruma.

Uma fornada levava cerca de 12h a cozer, a uma temperatura entre os 1000° e os 1100°, indo as peças ao forno dentro de caixas de barro para se conservarem limpas.

A pintura assentava sobre a chacota cozida, posteriormente vidrada.

Para o vidrado das peças, utilizavam vidro feito artesenalmente com chumbo, estanho e areia branca.

A mistura era feita no forno. Depois do vidro moído, ficava líquido e nele mergulhava-se a peça.

Na decoração das peças utilizavam a pintura à mão e a técnica da máscara, esta última para fazer os contornos sobre os quais realizavam a pintura, feita com tintas próprias, importadas de Inglaterra e misturadas na própria fábrica.

Depois de pintadas eram cozidas novamente.

Tipologias e decoração

Com modelos criados a partir da faiança de Alcobaça, a Fábrica Nalda apresenta uma linha de produção muito semelhante à daquela louça.

Constituída na sua maioria por louça destinada a uso decorativo, consistia em pratos, gomis, fruteiras, paliteiros, galheteiros, bem como cestas, jarras, jarrões, tinteiros, areeiros, porta-cartas, entre outras variadíssimas peças, de funções meramente decorativas.

De tipologia muito variada, pode dizer-se que a produção da fábrica foi de bom gosto, tanto nas formas como na decoração.

As linhas são harmoniosas, proporcionadas e muito elegantes sobretudo a nível das asas e de tampas.

Algumas peças, como os pratos destinados à simples decoração mural, apresentam abas rendilhadas ou gomadas, com motivos florais variados ou combinações diversas de elementos vazados, que decorados com alternâncias florais policromas, resultam em belos exemplares.

Tendo um cunho marcadamente alcobacense, a cor é uma constante desta louça, “(…) pois a louça que ao longo dos tempos se vulgarizou de norte a sul do país como louça de Alcobaça facilmente se identifica através dos seus tons de amarelo, verde, violeta e encarnado, sobre um fundo predominantemente azul”.

Esta cor é também a que predomina na louça Nalda, com a tonalidade própria dada pelos fornos de caruma, à semelhança do que acontecia com a produção de Alcobaça, no período que decorreu desde os finais dos anos vinte até meados dos anos cinquenta, altura em que os formos manuais foram substituídos por outros mecanizados.

De pasta de grão médio, o fundo azul característico não exclui a existência de peças com fundo branco, que também surgem, muito embora com pouca frequência.

A nível da decoração há aspectos que marcam certas peças, entre eles o traço de quem as pintou.

Contudo, uma vez mais, Alcobaça é o estilo da maioria da pintura da louça Nalda, até porque não se copiavam apenas os modelos, como também os motivos.

Pintada à mão, os motivos decorativos foram normalmente de inspiração rústica: flores, paisagens com casario e árvores, aves, barcos ou frases votivas e quadras de inspiração popular.

Porém, embora mais raramente, para além destas decorações marcadamente populares, nas quais as flores surgem como elemento dominante, aparecem outros motivos de gosto menos popular.

A decoração é constituída, nas peças de maiores dimensões, por paisagens imaginárias muito semelhantes entre si, onde a água e os barcos, as montanhas e arvoredos, as casas incaracterísticas e cercados de madeira se conjugam na totalidade, de maneira a torná-la, na generalidade, sempre igual.

A mesma ideia pode ser aplicada na utilização dos elementos vegetalistas e sobretudo florais, a que a riqueza da policromia confere as obras produzidas um carácter popular e regionalista.

As peças de dimensões mais reduzidas apresentam decoração floral policromada, mas bastante delicada.

A inclusão de frases votivas ou quadras de sabor popular, salientadas por molduras de concheados ou simplesmente inscritas em cartelas, constitui outras das razões da semelhança desta faiança com a de Alcobaça.

As asas, rebordos, elementos relevados, concheados e cartelas são sempre salientados a azul cobalto ou azul escuro, de forma a permitir uma maior evidência da decoração principal.

Todas as peças que tratamos possuem assinaladas, à mão, a marca NALDA e em alguns casos Vale de Cambra e Portugal, para além das iniciais do artista e da numeração da peça.

Conclusão

Do estudo que efectuamos das peças existentes nesta colecção, numa primeira abordagem, destacamos todo um conjunto de traços comuns das peças fabricadas, ao nível da tipologia formal, do tratamento das superficies e, sobretudo das técnicas, motivos e organização decorativa.

Ao termos uma primeira visão sobre esta empresa, concluímos tratar-se de um espólio com interesse, que sobretudo deve ser acarinhado e aumentado com a doação ou colocação em depósito de obras ainda existentes e na posse de famílias locais, visto uma produção de tão curto período de tempo, mas de tão significativa representatividade, merecer da parte dos Valecambrenses o orgulho da sua existência.

(1) SAMPAIO P. 11

(2) SAMPAIO P. 38

Boletim Cultural de Vale de Cambra, N. 2, 1998 – págs. 56-57