Fado

Cancioneiro

Fado

Quando o sobreiro der baga
E o loreiro der cortiça
Eu então hei-de amar-te
Mas antes tenho preguiça.

Eu em razão em deixar-te,
Ingrata por muita via,
Há muito tempo trazia
No sentido abandonar-te.

E direi por toda a parte
Que tu me deste mau pago;
Nunca jurei ser quebrado
O nosso laço fatal.
Hei-de te ser leal,
Quando o sobreiro der baga,
Quando se abrir uma flor
E tornar-se em botão
Para esse tempo então
Hei-de ser eu teu amor.
Quando a água fizer calor
E o lume refrescar
E a chuva não molhar
E os limoeiros derem melancias
Prá semana dos nove dias
Eu hei-de te namorar.

Ou quando as ondas do mar
Estiverem quétas sem bolir
Eu então hei-de cá vir.
Quando a pêga for carriça
Ao Domingo não houver missa
E a Páscoa for à semana
E o ferro tornar-se em cana
E o loreiro der cortiça.

Ou quando deixarem de brilhar
As estrelas do firmamento
Ou quando vires o sol andar
Com a lua em justiça
Quando souberes por notícia
Que os dias santos vão acabar,
Então vou-te namorar
Mas antes, tenho preguiça.

De meu pai, 1946

Fado – II

Tristes mãos espavoridas
Caprichosas, doloridas,
Já cansadas de sofrer;
Mãos de fada e de severa
Que jamais um fadinho
Na guitarra soluçais.
Mãos que gelais
Que a morte há-de esquecer;
Mãos de fome e de amargor,
Mãos a quem eu dou
Toda a minha eterna dor.

Fado – III

Tenho lá uma galinha
Que me chocou outro dia;
Eu deitei-lhe uns poucos d’ovos,
Para dar à minha tia.
Se eles estivessem criados
Já los agora trazia.

Andar a criar os frangos,
Bem tolo seria eu,
Depois de frangos criados
Metê-los em papo seu.

Quem quiser que os frangos medrem,
Deite-lhe milho de celeiro
Partido ós bocadinhos
Que eles não o come inteiro.

De meu pai, Abril de 1947

-§-

Em Coimbra se formou
Palácio de grande altura;
Casa rica tem fartura
Num sou só eu que o digo.

As galinhas vão ó milho,
Enche o papo como às mais,
Quem paga são os pardais;
E o burro tem atafais
E também tem seus estribos.

Na tenda se vendem figos
Pra contentar os rapazes.
No mar andam alcatrazes
Também se chamam gaivotas.

Ó moça das pernas tortas
Também se chamam canejos
As feridas curam-se com unguento
E o moinho mói com o vento.

E no mar é que tece a aranha
O que cantiga tamanha
Que não tem cabo nem fim.
Um raminho de alecrim
Que se dá ós namorados.

Armas são para os soldados
E também prós caçadores;
O mal vai pra quem tem amores
Que bem ao jeito lh’áde andar.

Um pente para a cabeça
E uma gaita pra tocar;
Menina não endoideça
Que ainda pode ser feliz
De ter tamanho nariz;

Tem mais de palmo e meio
Muita gente me tem dito
Que lhe chega da testa ó seio.
Se os senhores querem qu’eu cante
Das minhas uma cantiga
Dai-me de comer bastante
Qu’eu encha bem a barriga.

De vinho dai-me uma pipa,
De a beber serei capaz;
Do puro, dai-me um chacaz
Que é do que alarga a tripa.
De limões, dai-me um cabaz
De laranjas, uma giga,
Do tamanho duma biga;
Se os senhores querem qu’eu cante
Das minhas uma cantiga.

Um quintal de bacalhau,
Oitenta arrobas de batatas
Que elas stão bem baratas
E é um petisco menos mau.

Dez quilos de clorau
Pra deitar no gradiente;
Na venda do café cantante
Trezentas latas de conserva
Trezentos chouriços com erva,
Se os senhores querem qu’eu cante.

De meu pai, Abril de 1947