Porquê e como surgiu “A VOZ DE CAMBRA”?

Desde muito novo (com 13/14 anos de idade) comecei a escrever no então JORNAL DE CAMBRA, propriedade dos herdeiros de Carlos Costa, e que era composto, impresso e distribuído a partir de uma modesta Tipografia que a família tinha em Estarreja, num espaço do quintal em frente da sua casa de habitação.

Após alguns anos de colaboração esporádica, surgiu a ideia de melhorar aquele jornal e trazê-lo para Vale de Cambra.

Acabara eu de ser admitido (em fevereiro de 1970) como funcionário administrativo num escritório no Porto, quando o meu parente e amigo Prof. Manuel Gonçalo Bastos de Pinho, de Entrepontes, se me juntou nessa ideia/projeto de fazer um jornal que pudesse ser a Voz dos anseios do concelho de Vale de Cambra.

Na impossibilidade de ultimar a compra do JORNAL DE CAMBRA e porque a nossa determinação tinha já avançado para compromissos com novos assinantes e anunciantes, decidimos criar “A VOZ DE CAMBRA”, cujo 1º número, vencidas algumas dificuldades de ordem burocrática, foi publicado em 15 de Maio de 1971.

Com muito entusiasmo, o Prof. Gonçalo Pinho acompanhou-me no lançamento e arranque do jornal.

Alguns anos depois, talvez por entender que, afinal, o jornal não era aquilo que idealizara, deixou-me “a criança” nas mãos.

A trabalhar no Porto e a viver em Matosinhos, hesitei entre desistir, também, ou continuar a fazer o jornal.

A “Voz de Cambra” não tinha um corpo redatorial, não tinha profissionais ao seu serviço e eu não residia, habitualmente, no concelho.

Esperando poder contar com a “carolice” de alguns (poucos) Cambrenses que, entretanto, haviam começado a oferecer a sua valiosa colaboração para a feitura do quinzenário da sua terra, decidi continuar, na esperança de que, aguentando o “periódico”, poderia um dia, já aposentado e a viver permanentemente em Vale de Cambra, dar-lhe a dinâmica que sempre quis e que o Concelho merece.

A vida, porém, tem as suas exigências. A minha carreira foi progredindo e as responsabilidades profissionais aumentando, até atingir um patamar bastante elevado de exigência, que cada vez menos tempo me deixa para dedicar ao projeto que criei em 1971 e que, desde então, venho continuando – hoje ainda sem ter um corpo redatorial ou profissionais de informação necessários para fazer um jornal.

Porquê esta decisão, agora?

Após 40 anos de vivência no Porto, não se me vislumbra possível o regresso a Vale de Cambra, como havia idealizado.

Os tempos são outros, com novas tecnologias em todos os domínios.

O “amadorismo” e a “carolice” tendem a desaparecer, a curto prazo.

Não seria possível, por muito mais tempo, continuar a fazer “A Voz de Cambra” com a qualidade e atualidade que sempre quis ver neste modesto órgão de Comunicação Social.

Nesta, como em qualquer outra atividade, temos de ser profissionais, para ser competitivos.

A profissionalização é já uma exigência que se não pode ignorar.

Os próprios organismos estatais que tutelam a Comunicação Social o impõem, como forma de melhorar a qualidade dos serviços prestados (e talvez, também, para dar emprego a tantos e tantos bacharéis e licenciados do sector que, anualmente, saem das Escolas Superiores e das Universidades).

A solução seria, portanto, profissionalizar “A Voz de Cambra”, através da criação de uma empresa – o que nunca foi minha intenção.

Como alternativa, pareceu-me mais coerente entregar “A Voz de Cambra” a profissionais do sector, com estruturas adequadas, conhecedores do terreno que pisam e dispostos a produzir um jornal que dignifique o Concelho e que possa, de certo modo, recordar a preocupação, o cuidado e o trabalho que deixei impressos nas 730 edições, regularmente distribuídas em cada uma das quinzenas, desde 15 de Maio de 1971 a 15 de Janeiro de 2002.

Evolução na feitura do jornal

Vão longe os tempos em que o jornal era feito na Tipografia do Carvalhido (Porto), composto (linha a linha) em chumbo e depois impresso (folha a folha — duas páginas em cada plano) numa velha impressora plana.

As provas (ou “linguados”), tiradas num prelo manual (em triplicado), seguiam para a Censura (duas cópias), ficando outra prova para fazer a paginação (por colagem sobre uma folha-suporte A3).

Processo moroso e algo complicado, sobretudo quando a Censura “cortava” parte ou todo o texto composto (por vezes até já impresso!…).

Depois de impressas, as folhas do jornal eram intercaladas e dobradas, manualmente, com a ajuda de alguns voluntários que apareciam nas datas de expedição.

Seguia-se a entrega dos jornais nos C.T.T., para envio aos assinantes.

Durante anos fiz este trabalho, que requeria uma certa habilidade, paciência e muita determinação.

Fi-lo sozinho, com regularidade, com muito carinho e com gosto (para fazer bem qualquer coisa, é preciso dedicação e gosto).

Depois, o jornal passou a ser impresso na Tipografia M. Vide & Irmão, em Vale de Cambra.

A composição, fazia-a numa quase vulgar máquina de escrever. As provas, depois de ampliadas e reduzidas, eram coladas sobre folhas-suporte A3.

Feitos os fotolitos, o jornal era impresso em offset e dobrado na Tipografia que, depois, entregava os jornais nos C.T.T.

Era já um pequeno avanço evolutivo na feitura do jornal!…

Em 1987 adquiri o primeiro equipamento informático, graças a um subsídio atribuído pelo Governo. Foi o grande salto na evolução do jornal.

Tudo se tornou mais fácil, mas toda a composição, paginação, montagem e entrega dos fotolitos na Gráfica continuavam a ser feitos por uma só pessoa.

A evolução tecnológica não pára, os jornais já se fazem e circulam na web e eu próprio me interrogo como será “A Voz de Cambra”, num futuro próximo.

Perante esta realidade, a única saída inteligente, para que o jornal tivesse uma progressão digna, seria entregar a sua feitura e gestão a uma estrutura adequada, com profissionais bem habilitados para lhe darem a grandeza que os anunciantes e leitores merecem.

Apelo aos anunciantes, assinantes e leitores

Na passagem do testemunho, gostaria de pedir a todos os anunciantes, assinantes e leitores que não abandonem, mas antes revitalizem a sua “Voz de Cambra”.

Muitos dos anunciantes são-no desde a primeira hora. Obrigado pela vossa ajuda nesta já longa caminhada. Espero que continuem!

Apesar de muitos dos primeiros assinantes já não fazerem parte do número dos vivos (sinal de que “A Voz de Cambra” tem já provecta idade), felizmente ainda são muitos os que se mantêm, desde a primeira hora, e que, carinhosamente, se nos dirigem com a expressão: “eu sou o sócio nº X“!…

Espero que também estes continuem, por muitos mais anos.

Adolfo Coutinho / 15.Janeiro.2002