Biografia – Dr. Adão Cruz

Biografia – Dr. Adão Cruz

É difícil encontrar o caminho curto e rectilíneo da objectividade no mundo de memórias e sentimentos que me ligam ao meu irmão.

Percorrendo os corredores do tempo, numa vivência de total cumplicidade de ideais e de valores, a imagem que se impõe é de força e confiança, de inteligência, de espírito combativo, de grandeza e audácia, de alegria e amargura, de emoção, de nobreza e generosidade.

Numa irrequietude constante, persegue a ciência e a arte à procura da sua essência e faz dela a sua crença. Aí assenta todo um exemplo de vida, na tentativa de agregar a humanidade na mudança para um mundo melhor, mais justo e entendível.

Adão Pinho da Cruz nasceu no lugar de Figueiras, freguesia de Castelões, concelho de Vale de Cambra, em 1937, filho de Adão Pinho da Cruz, agricultor e protésico dentista, e de Aurora Soares de Almeida, doméstica.

Fez a quarta classe na Escola Primária dos Dois, no lugar do Pinheiro Manso. Aos onze anos de idade foi internado no seminário dos jesuítas em Macieira de Cambra. Aí permaneceu enclausurado até aos catorze anos, altura em que se evadiu, no verdadeiro sentido da palavra.

Considerando que nem tudo fora negativo, sentiu-se, no entanto, violentado por toda uma vivência física e mentalmente atrofiante da sua adolescência.

Admite que alguns aspectos, como a aprendizagem do latim e do português, bem como do método e da disciplina, constituíram marcas positivas na sua vida.

Após uma passagem relâmpago pelo colégio de Vale de Cambra, inscreveu-se no colégio de Oliveira de Azeméis, para onde se deslocava todos os dias, de camioneta, na companhia da irmã.

Dadas as grandes despesas que, na época, isso acarretava, a sua permanência até ao sétimo ano só foi possível com grande sacrifício dos pais.

Por estas alturas nasceu a sua grande paixão pela literatura, que o levou a ler tudo quanto podia, desde Eça, Camilo, Garrett, Antero, Dumas, Lamartine, Balzac, Moliére, Voltaire, Shakespeare, Goethe, Rilke, Stefan Zweig, Kafka, a TcheKov, Tolstoi e Dostoievsky. Para além da colaboração em pequenos jornais, escrevia poemas e contos, os quais, após concurso, eram lidos por uma Rádio do Porto.

Acabado o liceu ingressou na Faculdade de Medicina do Porto, tendo-se licenciado em Medicina e Cirurgia no ano de 1964-1965.

Ainda no estágio, iniciou a sua actividade de médico de clínica geral em Vale de Cambra, ao lado de um distinto clínico, o Dr. Teixeira da Silva (Pai).

Acabado o estágio, um inesquecível grupo de amigos montou-lhe o seu primeiro consultório pessoal, a partir do qual se dedicou de alma e coração ao sofrimento de todo o povo de Vale de Cambra e concelhos limítrofes, numa altura em que a medicina dava um salto científico e qualitativo entre o empirismo do passado e a medicina moderna.

Mobilizado para a guerra colonial na denominada Guiné Portuguesa, para aí embarcou, como alferes médico, no velho paquete Uíge, em Maio de 1966.

Antes, porém, havia feito metade da recruta durante o tempo da Faculdade, no chamado CEPM (Curso Especial de Preparação Militar), e a parte restante em vários quartéis e hospitais do país, incluindo o Hospital Militar da Estrela. Permaneceu na Guiné desde Maio de 1966 até finais de 1967.

Tendo percorrido uma boa porção desse território, esteve, contudo, a maior parte do tempo, nas fronteiras da Guiné Conakry e do Senegal, sempre nas zonas de guerrilha e conflito.

A sua última e mais prolongada estadia teve lugar em Begene, no sector de Farim, onde a profunda vivência da guerra e o permanente contacto com uma população miserável, constituíram uma das mais ricas e marcantes experiências da sua vida.

Regressado a Portugal, foi recebido em apoteose pela população de Vale de Cambra. Voltou a exercer a sua actividade de médico de clínica geral com toda a dedicação, dando tudo o que tinha de melhor em termos humanos e profissionais.

A sua consciência política, fortalecida por uma guerra fortemente esclarecedora, e inevitavelmente acordada por uma ditadura grosseira e primária, fez-lhe recusar propostas aliciantes dos amigos do regime, nomeadamente na área da Saúde e da Administração, e situou-o do outro lado da barricada.

Casou com Maria Manuela Gomes Coelho e teve três filhos: Marta, Marcos e Manuel, passando a residir em S. João da Madeira.

A explosão do 25 de Abril apanhou-o em cheio. Conhecido pela sua oposição ao decrépito regime, imediatamente foi empurrado pelas circunstâncias para acções que o espírito revolucionário impunha a qualquer cidadão consciente.

Foi nomeado Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Vale de Cambra pelo Governador Civil de Aveiro. Aí permaneceu um ano, um ano obviamente perturbado e conflituoso, durante o qual apenas se empenhou na pesquisa do caminho que levasse o povo de Vale de Cambra a encontrar a sua dignidade de povo e o seu verdadeiro estatuto de cidadania.

O seu trabalho e a sua dedicação não foram entendidos como tal. Ao fim de um ano penoso, recheado de sacrifício pessoal, familiar e profissional, deixou a Câmara para se candidatar à Assembleia Constituinte como independente.

Terminada, assim, a sua intervenção política activa, abandonou Vale de Cambra, um tanto desiludido com a terra e o povo que tanto amou.

Prosseguindo o internato geral que entretanto iniciara, entrou, posteriormente, no internato complementar da especialidade de cardiologia no Hospital de Santo António, no Porto.

Terminada a especialidade, concorreu ao quadro efectivo do serviço de cardiologia desse mesmo Hospital, onde entrou com elevada classificação. Sub-especializou-se na valência de ecocardiografia, tendo sido um dos pioneiros desta especialidade em Portugal. Muito provavelmente, foi quem adquiriu o primeiro aparelho de ecocardiografia bidimensional do país.

A sua preparação, para além de Lisboa e Porto, estendeu-se ao estrangeiro, nomeadamente Brasil, Madrid, Paris, Bordéus e Roterdão. Com dois colegas e amigos, Cassiano Abreu Lima e Duarte Correia, montou o Gabinete de Ecocardiografia, no Porto, o segundo do norte de Portugal.

Aí se manteve, no Hospital de Santo António, até finais da década de oitenta, altura em que foi transferido, a seu pedido, para o Serviço de cardiologia do Hospital de Santos Silva, onde foi acolhido de forma inesquecível, e onde edificou grandes amizades.

Nessa altura, fez exame de graduação em Chefe de Serviço. Ao mesmo tempo continuava a exercer a sua clínica de especialidade no Gabinete de Ecocardiografia e no consultório de S. João da Madeira que ainda hoje mantém.

É membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, da Sociedade Europeia de Cardiologia, da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, e da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos.

Durante a sua vida fez várias intervenções públicas, políticas e profissionais, e algumas conferências. Escreveu contos, ensaios, poemas e numerosas crónicas, que foram publicados em revistas e jornais regionais e nacionais, nomeadamente o diário, o Jornal de Notícias, A voz de Cambra, Correio de Azeméis, Abril, Labor, revista Camaleão, Revista dos Médicos.

Nos princípios da década de oitenta resolveu começar a pintar, tendo feito, até hoje, várias exposições, individuais e colectivas, em Portugal, Espanha e França.

Viu publicadas e referidas algumas das suas pinturas, nomeadamente na Revista dos Médicos, no Le Monde Diplomatique (EP), no Jornal de Notícias, em jornais regionais e em jornais da Galiza.

Tem reproduções de quadros seus em vários livros e revistas, alguns na própria capa e sobrecapa.

Vem referido e comentado na Parte II, Vol. V, da enciclopédia “O Mundo Fascinante da Medicina”. Nesta mesma enciclopédia os seus quadros ilustram outros volumes, nomeadamente uma boa parte do Volume II da mesma Parte II.

Está representado no volume “Médicos artistas portugueses do século XX”, baseado na mesma enciclopédia e distribuído no congresso Português de Cardiologia 2000.

Escreveu um livro de carácter profissional, Cirurgia geral no doente cardíaco, avaliação pré-operatória.

Escreveu um primeiro livro de poemas, ilustrado com pinturas suas, intitulado Esta água que aqui vem dar, e um segundo livro, de contos, relacionados com a guerra colonial da Guiné, ilustrado com desenhos de seu filho Manuel, Vem comigo comer amendoim.

Escreveu um terceiro livro, de prosa poética, ilustrado com quadros seus, intitulado Palavras e cores e um quarto livro, de pinturas suas, com texto de reflexão sobre a arte, da sua autoria, editado pela Campo das Letras, sob o título ADÃO CRUZ Tempo, Sonho e Razão, com o patrocínio dos Laboratórios Bial e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

Tem no prelo um quinto livro de poesia, Nova ponte sobre um velho rio.

Fonte

• Nasceu em Vale de Cambra há oito décadas.

• Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

• Médico generalista em Vale de Cambra durante seis anos.

• Médico na Guerra Colonial da Guiné.

• Médico cardiologista, subespecializado em Eco-Doppler cardíaco, tendo sido um dos pioneiros desta técnica em Portugal. Foi quem adquiriu o primeiro Ecocardiógrafo Bidimensional que entrou em Portugal.

• Ex-Assistente Hospitalar de Cardiologia graduado em Chefe de Serviço.– Fez o essencial da sua formação no Porto, Lisboa, S. Paulo, Madrid, Barcelona, Corunha, Santiago de Compostela, Paris, Roterdão e Bordéus.

• Sócio da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

• Foi sócio da Sociedade Europeia de Cardiologia, com cartão de Cardiologista Europeu.

• Ex-sócio da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.

• Sócio e colaborador do Sindicato dos Médicos do Norte.

• Fez diversas exposições individuais e colectivas em Portugal e fora de Portugal.

• Tem quadros seus em sete países.

• Vem referido e comentado na Parte II, Vol. V, da enciclopédia “O Mundo Fascinante da Medicina”, ilustrando os seus quadros outros volumes, nomeadamente uma boa parte do Volume II da mesma Parte II.

• Convidado com poesia e pintura para o livro comemorativo dos noventa anos da BIAL.

• Convidado com texto e pinturas para o livro comemorativo dos vinte e cinco anos da abertura da Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.

Fonte: Jardim das Delícias